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Drake vs. Kendrick Lamar: entenda treta de rappers que banaliza misoginia em músicas egocêntricas


Com letras ácidas, os artistas transformaram o ódio que sentem um pelo outro numa treta que, a essa altura, já se tornou uma das brigas mais famosas da história do rap. .
(Da esq. p/ dir.): Os rappers Drake e Kendrick Lamar
Richard Shotwell/John Salangsang /Invision/AP
Os rappers Drake e Kendrick Lamar estão fazendo música para lavar roupa suja. Com letras ácidas, os artistas transformaram o ódio que sentem um pelo outro numa treta que, a essa altura, já se tornou uma das brigas mais famosas da história do rap.
Antiga, a rixa se intensificou no fim de março e, desde então, escalona cada vez mais, com faixas sendo produzidas (e lançadas) em poucas horas. Como numa troca de socos, um bate e o outro revida.
Nos versos, estão acusações de violência contra mulher, pedofilia e abandono paterno, além de deboches de identidade racial e estética musical. Tudo embrulhado por piadas sarcásticas, em que os compositores assumem simultaneamente os papéis de vítima, herói e vilão.
O g1 explica a seguir a trajetória da briga e seu reflexo nas músicas.
O início de tudo
Anos atrás, a relação entre Drake e Kendrick era completamente diferente da atual. Os dois até cantavam juntos. Dividiam o microfone em “Buried Alive Interlude” (2011), “Poetic Justice” (2012) e “F**kin’ Problems” (2013).
O conflito começou tímido, com uma disputa de território. Quem é o melhor rapper da atualidade? Basicamente, foi com essa pergunta que a natural competitividade dos músicos engatinhou e, aos poucos, se tornou mais pessoal do que profissional.
Em 2013, o rapper Big Sean lançou “Control”, em parceria com Kendrick. Na faixa, o americano caçoa de Drake e outros rappers, citando seus nomes e dizendo: “Eu tenho amor por todos vocês, mas estou tentando matá-los, ‘niggas’”.
A música é uma diss track. Ou seja, uma canção cujo propósito é insultar uma ou mais pessoas — de forma desbocada e quase sempre explícita. Presente em vários gêneros musicais, a prática ganhou destaque nos anos de 1990, sobretudo no rap.
É bem comum que uma diss track surja a partir de outra, com músicos revidando na mesma moeda as críticas que recebem. Justamente por isso, alguns dos rappers citados em “Control” lançaram canções atacando Kendrick.
Drake, porém, fez diferente. Quando questionado na época sobre o assunto pela revista “Billboard”, o canadense se limitou a definir “Control” como ambiciosa e a sugerir que o nível de sucesso dele jamais seria ultrapassado pelo do Kendrick.
Ainda em 2013, Drake lançou “The Language”. Para alguns ouvintes, a letra seria uma indireta ao rapper, mas a teoria foi negada pelo produtor Birdman. Seus versos dizem: “Eu sou o único com quem você deve se preocupar/ eu não sei ao que você está se referindo/ quem é esse cara que você ouviu falar?”.
“The Language” é uma faixa do disco “Nothing Was the Same”, termo que Kendrick usou meses depois durante o BET Hip-Hop Awards. “Nada tem sido o mesmo [‘nothing was the same’ em inglês] desde que eles abandonaram ‘Control’ e puseram um rapper sensível de volta em suas roupas de pijama”, cantou o músico.
De lá para cá, tanto Drake quanto Kendrick se enfiaram em rixas maiores envolvendo outros músicos, o que aquietou a intriga dos dois. Até que, em 26 de março deste ano, o americano voltou a provocar o canadense, em “Like That”.
‘Like That’
A música foi uma resposta a “First Person Shooter”, parceria entre Drake e J. Cole lançada em outubro de 2023.
Em “First Person Shooter”, J. Cole afirma que ele, Drake e Kendrick são “o grande trio” do rap.
“Filho da puta, os três grandes são somente eu”, cantou Kendrick em “Like That”, irritado.
O rapper Kendrick Lamar em show no Allianz Parque, em São Paulo
Reprodução/Instagram
‘7 Minute Drill’
J. Cole não gostou do que ouviu e, em 5 abril, lançou “7 Minute Drill”.
“Ele tem uma média de um verso difícil a cada trinta meses ou algo assim/ Se ele não estivesse zombando, então não estaríamos discutindo sobre eles/ senhor, não me faça fumar esse ‘nigga’ porque eu fodo com ele”, diz a letra.
O sucesso da faixa veio rápido. Mas Cole não quis permanecer na briga. Dois dias depois do lançamento, o artista anunciou que retiraria a música das plataformas de streaming, porque “não combinava com seu espírito”.
A promessa foi cumprida, mas a confusão já estava feita.
‘Push Ups’
Até então, Drake estava poupando palavras. Mas, em 13 de abril, lançou “Push Ups”, debochando do flerte musical de Kendrick com o pop.
“Você não está em nenhum ‘trio grande’/ SZA te enxugou, Travis te enxugou, Savage te enxugou”, diz a letra. “Você vai sentir as consequências do que escrevo / Estou no topo da montanha, então você está apertado agora.”
“O Maroon 5 precisa de um verso/ é melhor você torná-lo espirituoso / precisamos de um verso para os swifties.”
‘Taylor Made Freestyle’
Seis dias após “Push Ups”, Drake lançou outro ataque a Kendrick, “Taylor Made Freestyle”.
O cantor sugeriu que o americano não havia respondido à sua diss anterior porque estaria aguardando o lançamento do álbum “The Tortured Poets Department”, de Taylor Swift.
Drake no Lollapalooza Argentina
Reprodução/Instagram
‘Euphoria’
Em 30 de abril, Kendrick lançou “Euphoria”, despejando ali em seis minutos todo o ódio que vinha alimentando contra o canadense.
Nos versos, o americano chama Drake de “mestre manipulador” e “mentiroso habitual”. Também sugere que ele é um péssimo pai e apenas finge ser negro.
‘6:16 in LA’
Kendrick não esperou a resposta e, em 3 de maio, lançou outra diss: “6:16 in LA”.
Dessa vez, afirmou que alguém próximo de Drake estaria vazando informações pessoais dele para prejudicá-lo.
O ápice da briga
Já intensa, a treta piorou de vez entre os dias 3 e 4 de maio, quando os artistas trocaram ataques com músicas lançadas com apenas horas de diferença.
Em “Family Matters”, “Meet the Grahams”‘ e “The Heart Part 6”, os dois se dedicam a tecer longas e duras acusações de um contra o outro. As denúncias são relacionadas à pedofilia, violência contra a mulher e abandono paterno.
Em resumo, Drake acusa Kendrick de bater na esposa, Whitney Alford, enquanto Kendrick acusa Drake de ter uma filha secreta e de transar com garotas menores de idade.
Os dois negam as acusações das quais são alvo.
Mas, afinal, o que está em disputa?
Nem só de fofocas sobrevivem as diss tracks. Em termos de letra, as músicas do estilo têm potencial de provocar reflexões profundas que extrapolam a bolha dos envolvidos. Mas esse não parece ser o caso.
A batalha musical entre Drake e Kendrick é legítima (e adorada pelo público, pelo visto), mas limitada a mero egocentrismo.
Os questionamentos que ficam são vários. Sob qual condição acontece a treta autocentrada? Do que se trata o ringue? Qual o interesse em tornar acusações tão sérias como essas em piadas sarcásticas?
Banalizada, a misoginia exposta nas letras não é sobre a dor feminina, mas sim Kendrick e Drake. É sobre até onde vão as acusações contra cada um deles e como reagem diante delas.
A impressão que fica é a de que Drake e Kendrick lutam para ver qual misoginia é mais moralmente aceita no circuito mainstrain da cena hip hop americana, dominada há décadas por homens.
Como disse Alphonse Pierre, crítico musical do site “Pitchfork”, a guerra entre os dois já não é mais mera intriguinha. “Você tem que considerar aquelas mulheres, as que realmente podem ter sofrido [tudo isso], não têm poder para falar por si mesmas. Drake e Kendrick não estão pensando nisso. Para eles, tudo isso é só material para piadas e trollagens.”
Por enquanto, não dá para saber se haverá um vencedor na luta. Mas não é exagero afirmar que, mais uma vez, o ego masculino virou hit no rap. Que vença o melhor.

Matéria: G1 POP & Arte

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